Passado, presente e futuro

domingo, 6 de setembro de 2009
Quando acordei o meu olhar fixou-se na luz branca directamente por cima da minha cabeça. Estava consciente de uma dor algo vaga na nuca e do apitar distante de uma qualquer máquina. Encontrava-me no limiar da consciência mergulhando por vezes em períodos negros em que o meu passado e presente eram uma mera mancha difusa. Na mesa ao meu lado havia um postal, um único postal oferecido pelo meu patrão tal qual fazia sempre que um dos seus empregados adoecia. Não tinha amigos, não tinha ninguém. Percebi que estava num Hospital e não em casa quando apareceu uma enfermeira, pareceu ficar surpreendida por me encontrar acordada. Há quanto tempo estaria ali? A noite passou rapidamente apenas interrompida pelo passar das várias enfermeiras que me vinham injectar novas drogas para me manterem sem dores. O meu olhar manteve-se fixo no tecto descolorado do quarto, pensava nas minhas opções, nas minhas escolhas de vida.
O médico entrou sorrindo-me e quando relancei o olhar pela janela apercebi-me que tinha amanhecido. Tocou-me no sítio onde eu tinha batido com a cabeça e encolhi-me involuntariamente, doía mais do que eu tinha imaginado. Então, continuando a sorrir, disse-me que tinha uma visita e saiu discretamente. Foi aí que ele entrou, alto e belo como sempre com a cara inexpressiva mas uma expressão de sofrimento nos olhos que nunca tinha existido. Na mão trazia uma única rosa branca. Não pude evitar sorrir ao vê-lo.
-Não gosto de rosas. - Tinha mesmo dito aquilo em voz alta?
-Não sejas difícil. Toda a gente gosta de rosas. É bom ver-te finalmente acordada.
-Claro. O que vieste aqui fazer? - Não consegui evitar que a rudeza saísse do meu tom de voz, ele não devia estar ali.
-Sais daqui a dois dias e tens direito a duas semanas de baixa. Vou ficar contigo.
Preferi ignorar a última parte, já mo dissera uma vez e não cumprira. O que o faria cumprir daquela vez? Peguei na rosa e cheirei, absorvendo o seu cheiro quente e ligeiramente ácido, e pelo canto do olho vi o seu rosto ficar mais terno sorrindo-me com simpatia.

O telemóvel que não pára de tocar

Minha mente confusa, meu coração destroçado obrigavam-me a ficar acordado.
Deitado na cama olhando para o despertador desejando que tempo o volte para trás.
Apagar os erros que cometi, começar de novo e dar o meu melhor. Claro, sem efeito. Lembro-me de a sentir deitar-se a meu lado de costas para mim sem dizer uma única palavra. Nem se aproximou e eu não me consegui mexer. Tentei chorar mas com receio que ela me pudesse ouvir não o fiz. Fiquei olhando fixamente para os números vermelhos do relógio pensando no traste que sou. Lembro-me como se fosse hoje. O relógio parecia estar parado às 03:27. Nunca um minuto demorara tanto tempo a passar. Voltei a olhar para o relógio, eram 10:12. O sol ja brilhava em todo o seu esplendor, penso ter adormecido. Estava demasiado atrasado para ir trabalhar e com a minha disposição, nem telefonei a informar de que estava “doente”. Sim, não era mentira nenhuma, sabia que algo errado se passava comigo. Desde que tudo começou a correr mal que sinto dores bastante fortes no peito. Talvez por meu coração estar destroçado. Olhei para o outro lado da cama, ela não estava mais ao pé de mim. Senti o seu aroma na almofada que me repeliu da cama. Lavei a cara e olhei-me ao espelho. Comecei a recordar toda a falsidade que me levou a este ponto. Senti-me mal disposto. Literalmente, náuseas apoderaram-se de mim. Vomitei. O que se passa comigo?
Fui tomar banho para me recompor e eis que ouvi o telemóvel tocar.
“Deve ser do trabalho” – Pensei eu deixando-o tocar continuamente.
Enrolado na toalha e a secar o cabelo fui ver quem me telefonara.
13 Chamadas perdidas. Minha mãe telefonara-me repetidamente. Ao deparar-me com aquilo senti um vazio enorme por dentro. Será presságio? Deve ter acontecido algo de muito grave. Telefonei-lhe e eis que ela diz muito aflita:
“-Finalmente falo contigo! Anda ao hospital depressa! Aconteceu algo! Ela...”
Desliguei a chamada. Fiquei parado a olhar para o espelho. O telemóvel voltou a tocar mas eu não me mexia.

Mágoa

sábado, 5 de setembro de 2009
Saí de casa dele sem uma palavra, magoada uma vez mais por palavras que ficavam por dizer e pela sua frieza. A raiva que me invadia fazia-me ver o mundo de uma maneira febril e negra mas não podia sentir agora, os sentimentos ficavam sempre para um segundo plano quando tinha de tratar de assuntos do trabalho. Peguei no carro e dirigi-me para o alto e cinzento edifício de escritórios onde girava a minha vida, era ali que me sentia em casa. Decidida a ter mais algum tempo para mim escolhi subir pelas escadas em vez de usar o elevador, uma colega de trabalho que nunca soubera o nome acompanhava o meu passo apressado com medo de me olhar nos olhos. Mas então, no cimo do primeiro patamar, o chão pareceu desaparecer por baixo dos meus pés, as paredes avançavam encostando-me aos limites da consciência. Senti-me cair, alguém gritou e a minha cabeça embateu contra algo duro. A última coisa em que pensei foi que não me tinha despedido dele quando sai e então, tudo ficou negro.

Suplícios

Em tempos acreditei que tudo estava perfeito. Como me equivoquei. Magoei quem mais amava e quando isso acontece deixamos de recear seja o que for. Tentando ocultar pequenos defeitos fui criando outros ainda maiores que me iriam atormentar de tal forma que eu tentei evitar usando o caminho mais fácil. Errei miseravelmente. Aquele sorriso que outrora me conquistara desvaneceu. Tal como uma bela rosa que ao cortar sua raiz acabará por murchar mais depressa que as demais. É assim que me sinto. Murcho, morto. Receoso de a perder.
Não farei nada para que ela me possa perdoar pois será em vão. Não tem perdão. Mentiras plantadas em torno de seu coração, cresceram em forma de silvas e seus impiedosos picos mais parecem garras o vão ferindo cada vez mais levando-a ao desespero. Choro… Mas de nada adianta… O mal está feito e não há como remendar. Perdido, não sei para que lado me virar. Sozinho, com ela a meu lado mas sozinho. Ela perdera toda a fé em mim, não a censuro.
Sendo eu lixo, tolice será a dela se decidir dar-me outra oportunidade. Pois desculpas não se pedem, evitam-se.
Deixá-la será a melhor opção? Para quem? Não vivo sem ela, sem ela não sou nada mas foi nisso que me tornei. Não há muita diferença. Mas se me mantiver a seu lado, certamente a farei sofrer cada vez mais. E não suportorto a ideia de fazê-la derramar mais uma lágrima por meus actos impuros.
Sou falso e egoísta. Mas não sou completamente insensível ao ponto de a magoar outra vez. Amo-a demasiado para tal e sendo especial como é, merece ser verdadeiramente feliz.
Que fazer? Alguém me diga… Suplico… Tal como ela suplicou…

Recaida

sexta-feira, 4 de setembro de 2009
Tentei concentrar-me no ritmo constante da corrida e deixar a mente concentrar-se na minha própria respiração. Evitava a todo o custo pensar nele, não que o conseguisse durante muito tempo infelizmente. Era altura de esquecer, seguir a minha vida em frente e encontrar o meu caminho mas a dor e o sofrimento que me invadiam sempre que pensava nisso eram demais para um pessoa só. Parei, tinha chegado ao meu sítio preferido. Sem qualquer ordem, um monte de flores decorava o lugar e algumas árvores sombreavam um pequeno recanto. Sentei-me e esperei pelo pôr-do-sol, era essa a altura do dia que mais temia, a altura do dia que tinha de voltar para casa e ficar sozinha. Era aí que procurava os braços dele, em que me deixava levar em histórias e mentiras demasiado bem contadas. O pôr-do-sol era o inicio da dor.
Acordei com o barulho de um trovão e a chuva a bater nas janelas. Ao meu lado sentia o calor de um corpo. Um corpo que conhecia como ninguém, um corpo que preferia esquecer. Mas agora era tarde, outra recaída como se não me bastasse o resto.